Como a brincadeira estruturada com blocos de montar pode se tornar uma poderosa aliada no desenvolvimento das funções executivas e na introdução precoce das habilidades da DBT
Introdução
Se há algo que une desenvolvimento infantil, neurociência e psicoterapia contemporânea é a crescente valorização das funções executivas como alicerces do bem-estar psicológico e acadêmico. Atenção sustentada, inibição de impulsos, memória de trabalho e flexibilidade cognitiva são agora reconhecidas não apenas como habilidades cognitivas “futuramente úteis”, mas como ferramentas fundamentais para a regulação emocional e os relacionamentos desde a primeira infância.
Nesse contexto, surge uma pergunta provocativa: até que ponto uma brincadeira com blocos de montar pode preparar o cérebro de uma criança para aprender habilidades terapêuticas complexas como as da DBT? O que era visto como um brinquedo lúdico passa a ocupar espaço entre as práticas clínicas baseadas em evidências — com possíveis implicações para psicólogos, educadores e terapeutas que atuam com crianças e adolescentes.
Funções executivas: o cérebro brincando de construir a si mesmo
Pesquisas mostram que atividades como o “block play” — brincar com blocos de construção como LEGO ou similares — promovem diretamente o desenvolvimento das funções executivas. Em especial, quando essa brincadeira é semi-estruturada, com objetivos ou desafios a serem superados, ela exige que a criança:
- Planeje e antecipe (habilidade de planejamento e memória de trabalho)
- Iniba reações impulsivas ao lidar com frustrações (controle inibitório)
- Mantenha atenção sustentada ao seguir etapas (atenção executiva)
- Adapte estratégias frente a erros e mudanças (flexibilidade cognitiva)
Estudos como o de Shaheen et al. (2021) e Diamond (2013) sustentam que essas capacidades não são apenas cognitivas, mas têm forte correlação com autorregulação emocional, tomada de decisões e resiliência.
DBT e habilidades socioemocionais: uma ponte possível
A Terapia Comportamental Dialética (DBT), criada por Marsha Linehan, foi inicialmente desenvolvida para adultos com desregulação emocional severa. No entanto, suas adaptações para adolescentes e crianças (como a DBT-C e a DBT STEPS-A) têm ganhado robustez clínica e reconhecimento científico, justamente por oferecerem um currículo estruturado de habilidades emocionais.
Entre as habilidades ensinadas estão:
- Atenção plena (mindfulness)
- Tolerância ao sofrimento
- Regulação emocional
- Efetividade interpessoal
Essas habilidades, embora tratadas de forma psicoeducativa, exigem funções executivas maduras para serem aprendidas e aplicadas. Uma criança que não consegue sustentar atenção ou refletir sobre suas emoções dificilmente se beneficiará de um treino formal de regulação emocional.
Convergência entre brincar, cérebro e terapia
É nesse ponto que os blocos entram como ferramenta clínica de base. A construção com LEGO pode ser vista como um “laboratório terapêutico” para treinar funções executivas de forma lúdica, enquanto se introduz, com suporte e reflexão, o vocabulário e a lógica das habilidades da DBT.
Exemplos práticos de interseção:
| Habilidade DBT | Ativada no brincar com blocos por meio de… |
| Atenção plena (mindfulness) | Observar peças, focar no presente, ajustar movimentos |
| Tolerância ao sofrimento | Lidar com frustrações (peça não encaixa, torre cai…) |
| Regulação emocional | Persistir diante do erro, reavaliar planos |
| Efetividade interpessoal | Colaborar em dupla, negociar papéis, resolver conflitos |
Essas conexões são apoiadas por estudos recentes, como o de Telles et al. (2022), que mostraram aumento de funções executivas em crianças após intervenções com LEGO-based therapy, e pelos relatórios da Fundação LEGO (2021), que demonstram a ativação de habilidades cognitivas e sociais por meio do brincar estruturado.
Implicações clínicas e educacionais
A partir desse cruzamento entre neurodesenvolvimento e prática terapêutica, podemos propor intervenções que:
- Introduzam habilidades da DBT de forma pré-verbal, por meio de jogos e metáforas (ex: “a torre que desaba e precisa ser reconstruída com calma”);
- Atuem preventivamente em crianças em risco de desregulação emocional, antes do surgimento de comportamentos-problema;
- Se integrem ao ambiente escolar como parte de projetos de aprendizagem socioemocional, onde o brincar é valorizado como linguagem e método.
Conclusão
A integração entre o lúdico e o terapêutico não é uma concessão à infância: é uma estratégia baseada em ciência. Se queremos que crianças e adolescentes aprendam a se regular emocionalmente, precisamos primeiro ajudá-las a desenvolver os circuitos neurais que tornam isso possível. E se isso puder acontecer montando torres coloridas, planejando castelos ou reconstruindo pontes com um amigo ao lado, melhor ainda.
Talvez a próxima revolução em saúde mental infantojuvenil comece com uma caixa de peças espalhadas no chão — e um terapeuta atento ao que está sendo construído, dentro e fora do jogo.